"não acredito que estejamos atualmente enfrentando uma crise migratória. Acredito que isso faz parte de uma narrativa profundamente politizada, prevalente em alguns países de destino. "
Como avalia a situação atual dos direitos dos migrantes globalmente, tendo em consideração desafios enfrentados em termos de políticas de migração e proteção dos direitos humanos?
Estamos em um momento particularmente difícil para a migração e os direitos dos migrantes, com uma tendência à criminalização dos migrantes e das pessoas que os apoiam. Essa hostilidade, infelizmente, é aparente em muitas regiões e ao longo de diferentes rotas migratórias. E ela se expressa em políticas como a externalização de fronteiras e devoluções — ou seja, esforços para manter os migrantes fora ou forçá-los a voltar através de uma fronteira —, bem como na detenção e deportação de imigrantes. Ao mesmo tempo, estamos vendo uma erosão do direito das pessoas de buscar asilo e a demonização dos migrantes, além da criminalização de atos de solidariedade com os migrantes.
Quais são os principais obstáculos que os migrantes enfrentam ao buscar refúgio em outros países, especialmente no atual contexto de crescente nacionalismo e xenofobia?
Nacionalismo, movimentos populistas e xenofobia estão todos ligados à politização da migração em diferentes partes do mundo.
A retórica anti-imigrante e uma suposta ‘posição dura’ sobre a migração estão sendo cada vez mais usadas como meio para vencer eleições, e os migrantes são frequentemente bodes expiatórios e difamados nas narrativas políticas. Isso desumaniza os migrantes e refugiados e nega-lhes a dignidade e o respeito que merecem.
A hostilidade contra os migrantes está tão enraizada que vemos múltiplos governos perseguindo políticas que são ineficazes e custosas, além de desumanas. Em alguns casos, não parece importar se as políticas são eficazes ou acessíveis, contanto que penalizem os migrantes e ganhem votos.
Como a questão de gênero se cruza com as dinâmicas de migração, e quais são os principais desafios enfrentados por mulheres migrantes e refugiadas em termos de acesso a direitos e proteção?
Diferentes pessoas são afetadas de maneiras diferentes pelas políticas de migração, e mulheres e meninas são desproporcionalmente afetadas. Por exemplo, as mulheres migrantes estão sobre-representadas na economia informal e são mais propensas a se tornarem vítimas de exploração laboral e outros tipos de abuso.
As mulheres migrantes — especialmente aquelas que estão em situação irregular — muitas vezes relutam em denunciar violência sexual e de gênero e outros abusos por medo das possíveis consequências, como detenção e deportação. As mulheres migrantes e refugiadas não devem ser retratadas como vítimas, pois são incrivelmente resilientes e enfrentam as adversidades em sua jornada migratória, no entanto, muitas vezes se encontram em situações de vulnerabilidade e enfrentam desafios únicos para acessar proteção e direitos.
Que estratégias os governos e as organizações da sociedade civil podem adotar para promover uma abordagem mais inclusiva e baseada em direitos na gestão da migração?
Políticas migratórias eficazes e justas precisam ser baseadas em evidências, e não em política e bodes expiatórios. Há muitas evidências de que muitos países de destino precisam da migração e que a migração beneficia positivamente a economia e a sociedade como um todo.
No entanto, os políticos e a mídia frequentemente influenciam negativamente a opinião pública e, por sua vez, a opinião pública influencia os políticos, resultando na criminalização da migração. Os governos precisam usar fatos e evidências como base para suas políticas de migração. As organizações da sociedade civil — grupos não estatais como ONGs, sindicatos, grupos comunitários e religiosos — muitas vezes estão mais próximas dos migrantes e compreendem os desafios e oportunidades que as comunidades migrantes enfrentam. A sociedade civil e os próprios migrantes devem ter voz na formulação de políticas para promover políticas inclusivas e baseadas em direitos.
Como a pandemia de COVID-19 impactou os migrantes em todo o mundo, tanto em termos de acesso a serviços básicos quanto em termos de sua segurança e proteção?
A pandemia de COVID-19 ilustrou o papel fundamental que os migrantes desempenham como força motriz dos serviços essenciais em muitos países. Sem os migrantes, algumas economias e serviços essenciais parariam. Isso ficou evidente durante a pandemia em setores como enfermagem, educação, cuidados e assim por diante.
Ao mesmo tempo, muitos migrantes foram severamente afetados pela pandemia e pela incapacidade de acessar serviços — como saúde e apoio social — que estavam disponíveis para cidadãos regulares. Isso criou privações e sofrimentos evitáveis em muitas partes do mundo. Em alguns países, também vimos um aumento das operações de repressão e da estereotipagem negativa durante a pandemia.
Por outro lado, durante a pandemia, também houve esquemas temporários de proteção e regularização em algumas partes do mundo, e muitos migrantes foram liberados de centros de detenção por razões de saúde pública. Esses desenvolvimentos positivos foram transitórios em alguns casos, mas demonstram que outro caminho é claramente possível. É possível evitar a detenção de imigrantes, se houver vontade política.
Na sua opinião, quais são os principais mitos e estereótipos associados à migração que precisam ser desafiados e desconstruídos?
Existem muitos mitos e estereótipos associados à migração. O primeiro é que a migração é um fenômeno novo que está repentinamente em um estágio crítico. Na realidade, a migração sempre aconteceu e continuará acontecendo, apesar das políticas de criminalização crescentes. Não só isso, a migração é necessária e é uma oportunidade para os países de destino.
Não há 'crise de migrantes'; há apenas uma crise de empatia e formulação eficaz de políticas. E este é um problema que podemos resolver, com a abordagem correta. Outro mito é que os países ocidentais são os mais severamente afetados pela migração. Na realidade, a maior parte da migração e deslocamento ocorre no Sul Global e não chega à Europa, EUA, Austrália ou outros países ocidentais.
Quando conflitos eclodem, a grande maioria dos refugiados foge para os países vizinhos, como Turquia, Jordânia, Líbano, Paquistão, Colômbia etc. Os migrantes também tendem a se mover dentro da mesma região em vez de para outras regiões. A migração foi enquadrada negativamente na Europa, nos EUA e em outros países como parte da politização da migração, levando as pessoas a acreditarem que há uma crise ocorrendo nesses países — isso simplesmente não é verdade.
Outro mito é que políticas de dissuasão, como detenção, devoluções ou deportações, vão parar a migração. Na realidade, a migração continuará acontecendo enquanto as pessoas enfrentarem conflitos contínuos, mudanças climáticas, violência, pobreza ou falta de oportunidades em seus países de origem.
Como as mudanças climáticas estão afetando os padrões de migração em todo o mundo e quais medidas podem ser tomadas para atender às necessidades específicas das pessoas deslocadas por esses fenômenos?
As mudanças climáticas estão afetando os padrões de migração através do deslocamento induzido pelo clima. Isso significa que a migração provavelmente crescerá no futuro próximo, à medida que muitas pessoas perderem suas casas ou forem afetadas por climas extremos, escassez e desastres naturais.
As pessoas afetadas pelas mudanças climáticas precisam ter acesso a direitos e proteção. O atual quadro jurídico foi criado há muito tempo e é limitado por uma definição estreita de refugiados. O direito internacional não considera as pessoas afetadas pelo deslocamento induzido pelo clima como refugiados, então precisamos desenvolver novos quadros de proteção que sejam adequados para apoiar as pessoas afetadas pelo deslocamento induzido pelo clima e migrantes em situações vulneráveis, para refletir adequadamente os desafios modernos.
Quais são os principais avanços recentes na proteção dos direitos dos migrantes e quais áreas ainda requerem maior atenção e ação por parte da comunidade internacional?
A adoção do Pacto Global para a Migração (GCM) e do Pacto Global sobre Refugiados (GCR) em 2018 foram marcos no avanço dos direitos dos migrantes e refugiados. Os Pactos são acordos intergovernamentais sobre como gerenciar a migração e o deslocamento em uma escala global. Eles são um desenvolvimento positivo, e ainda mais considerando que o GCM é a primeira vez que a comunidade internacional se reuniu para concordar em alguns padrões sobre migração.
No entanto, os Pactos não são tratados como tal e, portanto, não são aplicáveis, então seu sucesso depende de como são implementados. Em termos de lacunas, o sistema de proteção atual tem muitas falhas e não é necessariamente adequado para os tempos atuais. Isso significa que muitas pessoas que precisam de proteção não recebem o suporte necessário — uma lacuna que precisa ser urgentemente abordada com sistemas mais inclusivos. A nível nacional, os países precisam promulgar mudanças legais e políticas e começar a abordar a migração como uma oportunidade, em vez de uma ameaça.
Quais são as perspectivas para a cooperação internacional em questões de migração, especialmente considerando a necessidade de abordar fluxos migratórios mistos e as causas subjacentes da migração?
A cooperação internacional é crucial para abordar as questões migratórias e garantir que os migrantes e refugiados possam acessar os direitos e a proteção de que necessitam. A migração mista é um fato da vida — as pessoas migram por diferentes razões, e diferentes "grupos" legais frequentemente viajam juntos e usam as mesmas rotas. As pessoas não migram com um rótulo que indique se são migrantes, refugiados ou vítimas de tráfico — por isso é tão importante ter bons mecanismos de admissão e encaminhamento, ou seja, estruturas que permitam a identificação de pessoas em situações vulneráveis e forneçam o suporte necessário.
A migração, por definição, implica cruzar fronteiras internacionais e, portanto, requer boa cooperação internacional entre países de origem, trânsito e destino. Os países precisam trabalhar juntos para desenvolver vias adicionais para a migração regular; também precisamos de uma cooperação aumentada entre governos, sociedade civil, agências da ONU e os próprios migrantes.
Quais são as suas esperanças e aspirações para o futuro da governança global da migração e para o respeito aos direitos dos migrantes em todo o mundo?quais são as suas esperanças e aspirações para o futuro da governança global da migração e para o respeito aos direitos dos migrantes em todo o mundo?
Espero por um mundo onde a migração seja vista como uma oportunidade, não uma ameaça; onde os migrantes possam acessar os direitos e serviços de que necessitam, e onde a governança e as políticas migratórias não sejam baseadas em política, mas em evidências sobre o que funciona e o que não funciona. Espero por um mundo com multilateralismo fortalecido, no qual diferentes governos cooperem e forneçam vias regulares para a migração e esquemas de regularização para migrantes, de modo que a migração não seja criminalizada, mas gerida de maneira justa e humana.
Quais são os principais impactos da atual crise migratória nas relações internacionais entre países de origem, trânsito e destino, e como isso influencia a cooperação e o diálogo entre eles?
Como mencionado anteriormente, não acredito que estejamos atualmente enfrentando uma crise migratória. Acredito que isso faz parte de uma narrativa profundamente politizada, prevalente em alguns países de destino.
O impacto da migração nos países de origem, trânsito e destino está profundamente ligado a decisões geopolíticas; por exemplo, alguns países de destino influenciam países de trânsito fornecendo-lhes pacotes de ajuda em troca da adoção de controles migratórios severos e políticas restritivas.
A maioria das políticas de criminalização, como detenção, devoluções, deportações e externalização de fronteiras, tem se mostrado ineficaz como dissuasor. Precisamos de políticas mais pragmáticas que reflitam os direitos humanos e forneçam rotas legais regulares para a migração.
Isso significa soluções sustentáveis a longo prazo, como caminhos claros para a migração regular e esquemas de regularização. Podemos ver essa abordagem em ação em países como a Colômbia, que recentemente concedeu status temporário para 1,8 milhões de venezuelanos.
Como as políticas que respondem à crise migratória podem ser melhor coordenadas internacionalmente para garantir uma abordagem mais eficaz e humana para enfrentar os desafios enfrentados por migrantes e refugiados?
Os migrantes são pessoas — com sonhos e habilidades valiosas — que devem ser tratadas com dignidade e respeito. As políticas de migração precisam reconhecer esse fato básico — que os migrantes são pessoas com necessidades e direitos humanos. As políticas devem ser baseadas em evidências, não em conveniências políticas, e devem garantir que migrantes e refugiados possam acessar proteção, direitos e serviços. As políticas também precisam ser sensíveis ao gênero, considerando as necessidades específicas das mulheres e meninas migrantes.
Estamos gratos pela entrevista que nos concedeu e pelas valiosas contribuições até agora. Antes de concluirmos, gostaríamos de saber se há mais alguma coisa que gostaria de partilhar com os nossos leitores. Alguma reflexão final, mensagem ou insights adicionais que acredita serem importantes para enriquecer discussão sobre o tema em questão?
Acredito ser importante deixar claro que este não é um problema insolúvel. É perfeitamente possível criar políticas migratórias seguras, justas e humanas que protejam as pessoas e defendam os direitos humanos. Só precisamos da pressão pública e da vontade política para fazê-lo. Como sociedade, devemos exigir rotas migratórias seguras e regulares e políticas de regularização, para garantir que as pessoas sejam protegidas, e não criminalizadas.
Em última análise, é hora de mudar a narrativa longe do mito da 'crise migratória' e reconhecer o profundo valor e os benefícios que os migrantes trazem para as sociedades ao redor do mundo, bem como a dignidade inerente e os direitos humanos de todas as pessoas, não importa quem sejam ou de onde venham.

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